Tema - No Trânsito
somos todos pedestres
Na semana de 18 a 25 de setembro o Ministério das Cidades, através
do Denatran em parceria com os demais órgãos do Sistema
Nacional de Trânsito (SNT), lança a Semana Nacional de
Trânsito. O tema escolhido pelo SNT e aprovado pelo Contran "No
Trânsito somos todos pedestres" procura difundir e semear,
discussões em toda a sociedade sobre a questão. É
necessário que se tenha a devida reflexão do que está
acontecendo nas ruas e estradas de nosso país para que todos
os atores envolvidos, sejam eles organismos governamentais, imprensa,
condutores e pedestres, colaborarem para reduzir os índices que
têm se mostrado como verdadeira epidemia. A incompatibilidade
entre o ambiente construído das cidades, o comportamento dos
motoristas e o grande movimento de pedestres sob condições
inseguras faz o Brasil deter um dos mais altos índices de acidentes
de trânsito em todo o mundo.
Quando se pensa em trânsito o termo é associado ao movimento
de automóveis no asfalto. No entanto, mais de 70% dos deslocamentos
realizados nas cidades brasileiras são feitos a pé (modo
que, sozinho, responde pela quase metade de todos os deslocamentos)
e por transporte público. Mas, não obstante ser a mais
humana e representativa forma de se transportar, os deslocamentos a
pé enfrentam condições precárias ou mesmo
humilhantes. Isto traduz um fato revelador, pois da mesma forma com
que o desenvolvimento de um país não se mede pela quantidade
de suas riquezas - mas pelo quanto e como ela é distribuída
- seria razoável pensar que o desenvolvimento no trânsito
devesse ter, principalmente como indicador legítimo, a existência,
quantidade e a qualidade das suas calçadas.
As dificuldades para quem caminha revelam que os setores de planejamento
urbano, de trânsito e transportes, de modo geral, têm dificuldades
em assimilar a importância dos deslocamentos a pé, e tendem
relaciona-los mais a uma "falta de transportes" do que a entendê-los
como um modo de locomoção em si. Esse pensamento menospreza
as potencialidades do modo preferencial dos deslocamentos de alguns
minutos (tanto em países ricos quanto em países pobres),
ignora aspectos como a sustentabilidade, o risco oferecido aos demais
usuários da via e a saúde das pessoas. Desconsidera ainda
o papel específico ou mesmo insubstituível das caminhadas
em muitos lugares.
A Organização Mundial de Saúde projeta que em 2020
os traumas advindos do trânsito nos países em desenvolvimento
aumentarão em 85%, fazendo com que os chamados "acidentes"
saltem da nona para a terceira colocação no ranking da
morbi-mortalidade em nível mundial. Vale lembrar que o número
de veículos ou de vias asfaltadas dizem menos sobre o trânsito
de um país do que a quantidade de mortos e feridos que ele produz.
No que concerne essas estatísticas, por sua vez, mais importante
que saber quantos é saber como e quem está morrendo no
trânsito. Novamente, o diferencial de desenvolvimento é
aqui essencial: os atropelamentos, que atingem os segmentos mais vulneráveis,
flutuam entre 40% e 65% das mortes no trânsito nos países
em desenvolvimento - taxa que corresponde, nos países desenvolvidos
a cerca de 25%. É importante ressaltar que o fato dos deslocamentos
a pé serem mais numerosos em um país mais pobre não
"justifica" o maior número de vítimas pedestres:
pelo contrário, apenas reforça o grau de iniqüidade
do seu trânsito.
Igualdade e educação
no trânsito
Não se trata de se reivindicar
privilégios ou resvalar em maniqueísmos, achando que pedestres
são sempre inocentes e os condutores vilões - até
porque esses papéis são intercambiáveis. Trata-se
de insistir no termo equidade, no que ele encerra o sentido de promover
a igualdade levando em conta diferenças relativas, limitações
físicas, econômicas e proporcionalidades. Diferentemente
da condução de veículo automotor - para cuja habilitação
demanda-se que o alguém seja, no mínimo, maior de idade
e alfabetizado - caminhar não demanda autorização
especial, habilidades complexas ou educação formal, apesar
da obrigação dos organismos governamentais em preparar
estas pessoas, o que faz dos pedestres um segmento tão numeroso
quanto heterogêneo. Na história do automóvel é
fácil constatar que os veículos se aprimoraram e tornaram-se
mais seguros. O corpo humano, no entanto, não. Relativamente
aos demais conflitos, a mais evidente particularidade do atropelamento
é caracterizar um choque desproporcional entre um meio de transporte
e um corpo humano, desprovido dos mecanismos de proteção
disponíveis aos ocupantes de veículos. Em choques a 60
km/h - velocidade comumente praticada em vias urbanas - menos de 20%
dos pedestres sobrevivem. Mas mesmo a 30 Km/h ocorrem ferimentos graves,
com seqüelas permanentes.
Nenhum trânsito é melhor ou pior que a sociedade em que
ele se dá - pelo contrário: ele espelha e retrata de maneira
flagrante seus valores e contradições. Assim, em um país
com exclusões tão pronunciadas, não é difícil
entender que o modo de transporte utilizado majoritariamente pelos que
têm nos próprios pés a principal (quando não
a única) forma de se locomover, receba também nas vias
públicas um tratamento igualmente excludente. Os conflitos entre
veículos e pedestres podem se dar, entre outras coisas, por razões
relacionadas à conduta das pessoas nas ruas. Mas é importante
lembrar que os comportamentos são, muitas vezes, respostas das
pessoas ao contexto no qual vivem. Em um ambiente de circulação
que privilegia os deslocamentos por veículos automotores, os
pedestres costumam ser vistos mais como "um empecilho" ao
trânsito do que como parte dele. Como conseqüência,
eles próprios acabam se vendo como "cidadãos de 2a
classe" e, à medida que se vêem excluídos,
sentem-se também desobrigados de cumprir leis - o que é
ruim para todos.
Fonte:
Assessoria de Imprensa do DENATRAN